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Dando um Close: O corpo travesti na Boca

Dionys Melo dos Santos

Quando pensamos em travestis no cinema da Boca do Lixo a dimensão econômica, de mercado, desse cinema se torna fundamental para a compreensão das motivações que levaram o corpo travesti ao protagonismo de uma série de filmes de sexo explícito produzidos no centro de São Paulo durante a década de 1980. Pois, como o próprio diretor Alfredo Sternheim (2009) escreve, o filme O sexo dos anormais (Brasil, 1984), protagonizado pela multiartista travesti Claudia Wonder, foi encomendado por Alfred Cohen, fundador da Parias Filmes e naquele momento dono da distribuidora Brasil Filmes, empolgado pelo forte apelo midiático das travestis no princípio dos anos de 1980.

Nesse processo de alta midiatização das figuras travestis uma despertava especial interesse, Roberta Close. Em maio de 1984, o “furacão midiático” Roberta estrelaria um histórico ensaio para a revista Playboy. Ensaio extremamente bem sucedido junto ao público, tanto que na edição de julho de 1984, que trazia Claudia Lucia na capa da revista, no canto inferior esquerdo havia uma chamada anunciando fotos extras do ensaio de Roberta Close atendendo aos pedidos do público. Neste mesmo ano, na edição de outubro protagonizada por Betty Faria, foi a vez de outra influente travesti dos anos de 1980, Telma Lipp, debutar em um ensaio fotográfico
para a Playboy.

A dissertação de mestrado de Luis Henrique Martins (2017), assim como o artigo de Elias Veras e Oscar Guasch (2015), recuperam a influência de Roberta Close na cultura de massas da década de 1980. Ao longo da minha pesquisa de mestrado (Dionys DOS SANTOS, 2021) encontrei na midiatização das figuras travestis durante os anos de 1980, em especial Roberta Close, um fato fundamental para a compreensão do que impulsionou o cinema da Boca do Lixo paulistana a produzir uma sequência de filmes com personagens travestis em destaque em um curto período de tempo. Já no começo da década de 1980, em 1981, Rogéria e Roberta Close haviam protagonizado alguns ensaios sensuais para a revista Close, daí a explicação para a composição do nome artístico que Roberta carrega até os dias de hoje.

Ainda na primeira metade da década de 1980 foi a vez de Claudia Wonder protagonizar um ensaio histórico para a revista Big Man Magazine onde, diferentemente dos ensaios citados anteriormente, era possível observar a genitália da modelo. Assim, motivado pelo desejo e a curiosidade do brasileiro, durante o início da década de 1980, entre os anos de 1983 e 1986, uma verdadeira explosão de filmes de sexo explícito com personagens travestis em seus enredos ganham espaço nos cinemas que povoavam a região central de São Paulo. Cabe frisar que o cinema explícito paulistano só foi possível a partir do ano de 1982, dentro do processo de abertura lenta e gradual provocado pela ditadura militar brasileira, com a estreia nos cinemas de Coisas Eróticas (Raffaele Rossi, Brasil, 1982).

Devido às características do cinema da Boca, de ser um produto feito por classes populares para classes populares onde era importante para os realizadores recuperarem o dinheiro investido na produção rapidamente, uma verdadeira linha de produção foi formada. Se o sexo explícito, uma vez em tela, atraiu público, uma sequencia de filmes com sexo explícito seria produzida e com as personagens travestis não foi diferente.

Breve nota explicativa: A Boca do Lixo paulistana foi o principal, em volume de obras realizadas, polo produtor cinematográfico do Brasil durante as décadas de 1970 e 1980. Durante a década de 1970 ali se popularizaram as chamadas “pornochanchadas” onde, apesar do nome, não havia cenas de sexo explícito. Mas, antes, cenas simuladas sem penetração ou close nas genitálias dos performers.

Dionys Melo dos Santos é doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (PPGS/UFSCar) e autor do livro “O desejo pelas travestis brasileiras: do Cinema da Boca do Lixo à pornografia digital” (Ape’ku, 2021).

Referências:
DOS SANTOS, Dionys Melo. O desejo pelas travestis brasileiras: do Cinema da Boca do Lixo à pornografia digital. Rio de Janeiro: Ape’Ku, 2021.
MARTINS, Luis Henrique de J. Entre a repulsa e o fascínio: O corpo trans no cinema brasileiro. Dissertação de mestrado. PPGCOM/UFF, 2017.
STERNHEIM, Alfredo. Alfredo Sternheim: um insólito destino. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009
VERAS, Elias F; GUASCH, Oscar. A invenção do estigma travesti no Brasil (1970-1980). In: história, histórias- Revista do Programa de Pós- Graduação em História da UNB, v.1, n.5, 2015.

O presente texto é parte da dissertação “As travestis no cinema da boca do lixo e na pornografia digital”
Disponóvel em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/11583

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