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Deus e outros esfíncteres

Texto de Marcos Visnadi

O desejo é sempre um recorte arbitrário num fluxo ininterrupto
Paul B. Preciado

É obsceno dizer pústula? E salário mínimo, também?
Hilda Hilst

—–

Meu mundo é um dildo, o seu também. Ele começa a vazar. Você entra em contato com o serviço de atendimento à consumidora:
– Mundildo, Dildene, posso ajudar?
– Oi o meu dildo tá vazando, isso é normal?
– Não, mas pode ser.

*

Hoje é o Dia da Gonorreia. Sai pus da uretra e contamina tudo. Pelo canal do gozo. Lá dói, cheio de feridas, as terminações nervosas ficam tão sensíveis que relaxam. É gostoso. No cu o barato é outro. Dor de garganta pode ser só porque você se esforçou demais.

*

Falando em esforço, Jair Bolsonaro está pensando. Ele tem frieira no pé, coça e cheira. Com nostalgia, apalpa onde a bolsa de colostomia costumava ficar. É ampla e vazia a sala da presidência do país. Saudade de soltar pipa no mato, correr atrás de tatu, enfiar o dedo no cu do soldado (de brincadeira), meter o pipi na cloaca da galinha e depois comer a canja que a mamãe preparou, ela grita Jair! de chicote na mão. Ai ai, mamãe, já vou! O esfíncter do presidente contrai que nem qualquer outro, as tetas flácidas do presidente ficam durinhas quando o ar-condicionado, a ereção não dura muito mas com o tempo. É assim mesmo.
Tomara que você apodreça por fora o que já é podre por dentro.

*

Coronavírus pogobol. Pegue uma bola. Pode ser duas. Grude trinta dildos ou mais e faça ela virar uma réplica do vírus entre as pernas. Eu quero que todas as próstatas do planeta despejem o excesso em cima de mim. Cachoeira de porra desabando em oceano leitoso. De longe avisto o Pico da Neblina convertido em ilha. Continuo nadando. Passo pelo cadáver esporrado de Jair Bolsonaro que boia. Seca e craquela mas não some. Sente na bola. Nas duas, se conseguir. E quique até espirrar.

*

– O cheiro é muito ruim.
– Te incomoda?
– Não.

*

Papai é uma moça de 1 metro e 60 de altura. Ventava muito no dia de outono em que nasci, na casinha no alto da colina que vovô e vovó construíram quando chegaram fugidos da guerra. Papai deitou na cama pra que meus 2 metros de altura e os 150 quilos de infância não quebrassem suas perninhas não sufocassem seus bracinhos não esmagassem seu pintinho enquanto ele me pegasse no colinho. E tirasse da regata o seio que me alimentava. Eu chorava inconsolável enquanto não tivesse papai na boca. E, quando o mamava, de repente meu mundo ficava grosso, doce, nutritivo.
Mamãe também era uma mocinha magra e enfezada. Ela batia em papai quando ele pedia. Um dia, mamãe me levou até o pé da colina, onde vovó pegou vovô de jeito, e me matou a pedido do Senhor. Os anjinhos voaram correndo pra dizer que Deus só estava brincando, mas era tarde demais, eu já tinha morrido. Papai chorou lágrimas amareladas enquanto ele e mamãe me enterravam sob a terra que há de comer, e os esfíncteres deles contraíam e relaxavam tanto quanto o do presidente ou de qualquer outra pessoa, pra ser sincero. Menos os meus. Porque na morte, perdem-se as pregas, pra sempre.

*

Agora vamos brincar de ter aids. Cof, cof. Nossa, tadinho, você se fodeu. A enfermeira lambe o sarcoma de kaposi. Tem gosto de petisco industrializado. Bicha chips. É magra que nem a morte. Eu sou gorde, gostose. Vou morrer igual. Mas até lá a doença vai me comer todinhe. Vai me devorar como se tivesse ódio e vontade de mim. Como se preferisse o filho morto em vez de viadinho.

*

O quarto está empesteado. Jesus vem me visitar pra ver se está na hora.
– Oi Jesus.
– Oi.
– Tá na hora?
– (me olhando de perto e tampando o nariz, refletindo, e depois de uma pausa) Não, ainda não.
– (choramingo)
– Aqui, meu filho, pega no seu consolo.
Jesus levanta a túnica e me põe na mão um pênis inexpressivo, seco e mole, com consistência de língua. Ele é morno e existe. Eu me agarro como se aquilo fosse me salvar. Em verdade, me salva.

*

Depois de muito tempo esperando, a musiquinha interrompe.
– Obrigada por esperar, senhora.
– Tudo bem.
– Nosso sistema recomenda que a senhora use camisinha.
– No dildo?
– Não senhora, na sua cabeça. Enfia a cabeça no preservativo e morre sufocada, sua jumenta.
– Credo, Dildene…
– Posso ajudar em mais alguma coisa?

*

Desligo o telefone e me conformo com essa vida. Filhinhos, quem dentre vós terá todas as respostas? Pois é mais fácil um burrico ejacular açúcar, uma cobra criar asas de delta, uma xoxota assoviar o Hino Nacional que perguntardes a pergunta certa – hoje, agora, em brasa. Ponho o dildo debaixo do braço e vou dar uma volta. Há espectros tristes na cidade, vai ver por isso os dildos choram. Ninguém respira na cara de ninguém. Quero que todo mundo morra e ao mesmo tempo não seria bom se todes nós nos despíssemos e abraçássemos na altura dos trópicos e dos equinócios, onde é quente o ano inteiro? Acho que dessa vez vou ser contaminada. Penso em Dildene lixando as unhas e atendendo uma fila de idiotas todos os dias. É um milagre estarmos vives, porque nossa espécie não é lá muito inteligente. Qualquer tropeço nos tira do caminho.
Enquanto reflito melancólica, aperto o braço e meu dildo pulsa. Ele se mexe como nunca havia visto. Que estranho! Pego ele nas mãos, levo à frente dos olhos, à distância da máscara, e encaro inquisidora. Ele é um troço de plástico e escorre e se mexe feito um hamster. Parece que quer me dizer alguma coisa. Então trago ele pra perto da orelha e fico bem quietinha. Ouço um sussurro, não sei bem o que é. Silêncio. Aí sim, acho que ouço direito. Uma voz rouca em looping que repete: pergunta, pergunta, pergunta. Sussurro, surpresa: pergunta?

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